quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CяØиicǺ - Negócio de menino com menina

 O menino, de uns dez anos, pés no chão, vinha andando pela estrada de terra da fazenda com a gaiola na mão. Sol forte de uma hora da tarde. A menina, de uns nove anos, ia de carro com o pai, novo dono da fazenda. Gente de São Paulo. Ela viu o passarinho na gaiola e pediu ao pai:
     -Olha que lindo! Compra pra mim?
 O homem parou o carro e chamou:
     -Ô menino.
 O menino voltou, chegou perto, carinha boa. Parou do lado da janela da menina. O homem:
     -Esse passarinho é pra vender?
     -Não senhor!
 O pai olhou para filha com uma cara de deixa pra lá. A filha pediu suave como se o pai tudo pudesse:
     -Fala pra ele vender.
 O pai, mais para atendê-la, apenas intermediário:
     -Quanto vc quer pelo passarinho?
     -Não tô vendendo não senhor.
 A menina ficou decepcionada e segredou:
     -Ah, pai, compra!
  Ela não considerava, ou não aprendera ainda, que negócio só se faz quando existe um vendedor e um comprador. No caso, faltava o vendedor. Mas o pai, era um homem de negócios, águia da bolsa, acostumado a encorajar os mais hesitantes ou a virar a cabeça dos mais recalcitrantes: 
     -Dou dez mil.
     -Não senhor.
     -Vinte mil.
    -Vendo não. 
 O homem meteu a mão no bolso, tirou o dinheiro, mostrou três notas, irritado.
     -Trinta mil.
     -Não tô vendendo, não, senhor.
 O homem resmungou ''que menino chato'' e falou pra filha:
     -Ele não quer vender. Paciência.
   A filha, baixinho, indiferente às impossibilidades da transação: 
     -Mas eu queria. Olha que bonitinho.
 O homem olhou a menina, a gaiola, a roupa encardida do menino, com um rasgo na manga, o rosto vermelho de sol.
     -Deixa comigo.
  Levantou-se, deu a volta, foi até lá. A menina procurava intimidade com o passarinho, dedinho nas gretas da gaiola. O homem, maneiro, estudando o adversário:
    -Qual o nome deste passarinho?
    -Ainda não botei nome nele, não. Peguei ele agora.
 O homem, quase impaciente:
    -Não perguntei se ele é batizado não, menino. É pintassilgo, é sabiá, é o que?
    -Aaaah. É bico-de-lacre.
   A menina pela primeira vez, falou com o menino:
    -Ele vai crescer?
 O menino parou os olhos pretos nos olhos azuis.
     -Cresce nada. Ele é assim mesmo, pequenininho.
 O homem:
     -E canta?
     -Canta nada. Só  faz chiar assim.
     -Passarinho besta, hein?
     -É. Não presta pra nada, é só bonito.
     -Vc pegou lá dentro da fazenda?
     -É. Aí no mato.
     -Essa fazenda é minha. Tudo que tem nela é meu.
  O menino segurou com mais força a alça da gaiola, ajudou com as outras mãos nas grades. O homem achou que estava na hora e falou já botando a mão na gaiola, dinheiro na outra mão.
     -Dou quarenta mil, pronto toma aqui.
     -Não senhor, muito obrigado.
  O homem meio mandão:
     -Vende isso logo, menino. Não tá vendo que é pra menina?
     -Não, não tô vendendo não.
     -Cinquenta mil! Toma! - e puxou a gaiola.
  Com cinquenta mil se compra um saco de feijão, ou dois pares de sapato, ou uma bicicleta velha.
  O menino resistiu, segurando a gaiola, voz trêmula.
      -Quero não senhor. Tô vendendo não.
      -Não vende por que, hein? Por que?
   O menino acuado, tentando explicar:
      -É que demorei a manhã todinha pra pegar ele e tô com fome e com sede, e queria ter ele mais um pouquinho. Mostrar pra mamãe.
   O homem voltou para o carro, nervoso. Bateu a porta, culpando a filha pelo aborrecimento.
      -Viu no que dá mexer com essa gente? É tudo ignorante, filha. Vam'bora 
   O menino chegou pertinho da menina e falou baixo, para só ela ouvir:
      -Amanhã eu dou ele pra vc!
    Ela sorriu e compreendeu.

                                                                                                             ( Ivan  Ângelo )















Nenhum comentário:

Postar um comentário